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A dança secreta entre selecção sexual e especiação

A dança secreta entre selecção sexual e especiação

A ornamentação sexual contribui para o isolamento reprodutor entre diferentes espécies, mas até agora a comunidade científica não tinha a certeza se este fenómeno promovia o aparecimento de novas espécies.

 

Num novo estudo, recentemente publicado pela revista científica internacional Evolution, uma equipa de investigadores do CIBIO-InBIO e da Universidade de Boston desvendam este mistério e demonstram que existe mesmo uma associação entre as alterações de coloração das espécies – neste caso, de aves – e o aparecimento de novas espécies.

 

O COLORIDO MUNDO DA SELECÇÃO SEXUAL

A selecção sexual é responsável pela evolução de ornamentos, como as cores garridas das aves. Há décadas que se pensa que a selecção sexual deveria também promover a especiação, isto é, o surgimento de novas espécies, porque a ornamentação sexual está envolvida no reconhecimento de indivíduos da mesma espécie e na sua reprodução. Contudo, apesar de várias tentativas, os biólogos não têm conseguido mostrar que em linhagens mais ornamentadas surgem mais espécies que em linhagens menos ornamentadas.

 

PODERÁ UMA FAMÍLIA NUMEROSA SER A CHAVE DO MISTÉRIO?

Um novo estudo, realizado por Ana Cristina Gomes e Gonçalo Cardoso, do CIBIO-InBIO, e Michael Sorenson da Universidade de Boston, usou a família dos mandarins e bicos-de-lacre para resolver este problema. Esta família - Estrildidae - inclui cerca de 140 espécies de pássaros exóticos, e muitas têm cores ornamentais exuberantes. Algumas destas espécies são bem conhecidas como pássaros de gaiola: o mandarim de Timor e da Austrália, o diamante-de-Gould da Austrália, o calafate da Indonésia, ou os bicos-de-lacre e peitos-celeste de África, e vários outros.

 

UM SEGREDO COM MAIS DE 11 MILHÕES DE ANOS

Os investigadores construíram uma árvore genealógica de todas as espécies vivas de estrildídeos e estudaram a evolução da cor ao longo dos 11 milhões de anos da história deste grupo. Descobriram que mudanças nas cores ornamentais ocorreram proporcionalmente ao número de especiações em cada linhagem, em vez de proporcionalmente ao tempo decorrido. Trocado por miúdos, isto significa que mudanças de cor tendem a ser mais rápidas perto de eventos de especiação.
“A cor pode mudar antes da especiação ocorrer e causar isolamento reprodutor, ou pode mudar depois da especiação como consequência do isolamento reprodutor. Mas o mais provável é que as duas coisas aconteçam juntas e gradualmente”, diz Ana Cristina Gomes. “A especiação em aves é lenta, porque normalmente passa muito tempo até se acumularem diferenças genéticas suficientes para que cruzamentos entre populações separadas não sejam viáveis. Comparativamente, a evolução de ornamentação pode ser rápida, e muitas aves desenvolvem preferências sexuais memorizando o aspecto dos pais. Assim, se numa população evolui uma diferença na ornamentação, isto diminuirá a reprodução cruzada quando se encontram indivíduos de outras populações, facilitando a acumulação de diferenças genéticas entre populações e permitindo que a especiação progrida até ao fim.”

 

QUE NOVO CONHECIMENTO NOS TRAZEM ESTES RESULTADOS?

A novidade deste estudo reside no facto de nele sido testada a hipótese de que mudanças na ornamentação estão relacionadas com especiação, e não se linhagem mais ornamentadas dão origem a mais espécies. Gonçalo Cardoso nota que “muitos estudos anteriores não conseguiram demonstrar que linhagens mais ornamentadas especiam mais. Um problema é que as linhagens mais ornamentadas não são necessariamente as que tiveram mais mudanças na ornamentação. Sabemos que muitas mudanças evolutivas em ornamentação sexual são perdas ou diminuições de ornamentos, e perda de ornamentos também cria diferenças entre populações que podem facilitar o isolamento reprodutor. Foi por isso que testámos se a especiação é mais frequente em linhagens onde mudanças de ornamentação são comuns, e não em linhagens mais ornamentadas.”

Este estudo reconcilia a hipótese antiga de que selecção sexual promove especiação com os resultados aparentemente contrários obtidos em trabalhos anteriores. Mostrar que a ornamentação sexual está envolvida na especiação, como estes investigadores fizeram, é também importante porque a ornamentação é afectada por muitos factores ecológicos, abrindo-se assim a porta a várias influências ecológicas desempenharem um papel na formação de novas espécies.

 

Artigo original:
Gomes ACR, Sorenson, MD, Cardoso GC (2016) Speciation is associated with changing ornamentation rather than stronger sexual selection. Evolution. DOI: 10.1111/evo.13088.

 

Imagens:
Imagem 1, 2 e 3: Grupos de estrilídeos macho ilustram da diversidade de cor de ornamentação nesta família. As alterações evolutivas na cor de ornamentação, ao contrário do grau de ornamentação – como se pensava no passado – estão associadas com a especiação na família Estrildidae. Créditos: Gonçalo Cardoso.

2016-10-27
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