Conservacionistas de todo o mundo mobilizam-se para combater um agente patogénico que pode ameaçar centenas de espécies de rãs em Madagáscar

Um fungo conhecido como quitrídio-dos-anfíbios (Batrachochytrium dendrobatidis, Bd), que tem vindo a causar o declínio acentuado das populações de anfíbios da América Central, Austrália, oeste dos Estados Unidos da América, Europa e este de África, foi agora identificado em Madagáscar. Os resultados do estudo com a participação da Angelica Crottini, investigadora do CIBIO-InBIO foram agora publicados pela revista Scientific Reports e revelam a presença de Bd em anfíbios selvagens de Madagáscar desde 2010. Estes dados levaram a que conservacionistas por todo o mundo se unissem com vista a tomar medidas para actuar sobre uma grave ameaça que pode afectar um país que alberga cerca de sete por cento de toda a biodiversidade de anfíbios conhecida a nível mundial.
“Temos consciência da gravidade desta situação, mas desta vez talvez possamos fazer a diferença, ao prevenir as impressionantes taxas de mortalidade que ocorrem noutros países”, refere Reid Harris, co-autor do artigo publicado pela Scientific Reports e director do departamento internacional de mitigação de doenças da Aliança para a Sobrevivência dos Anfíbios (ASA - Amphibian Survival Alliance). “No seu conjunto, a comunidade conservacionista global está focada no estudo da ocorrência desta ameaça e na sua origem, colocando em prática aquilo que aprendemos ao longo – ou mesmo após – extinções que tiveram lugar na América Central.”
Uma equipa de peritos analisou mais de 4.100 anfíbios por toda a ilha de Madagáscar e confirmou a presença de Bd em cinco localizações diferentes. Os investigadores detectaram o fungo pela primeira vez em Madagáscar em 2010, no maciço de Makay. Agora, a equipa está a trabalhar no sentido de averiguar se o fungo detectado pertence à mesma linhagem letal que está a ameaçar a sobrevivência de centenas de espécies de anfíbios existentes no planeta.
“Cerca de 99% das rãs de Madagáscar só existem neste local”, comenta Falitiana Rabemananjara, coordenador da Unidade de Emergência de Quitridiomicose* (CEC - Chytride Emergency Cell) em Madagáscar. “Isso significa que se a presença de Bd em Madagáscar for ou se tornar letal para as rãs, podemos perder uma fracção significativa da diversidade mundial de Anfíbios. Utilizando uma abordagem integrada, faremos tudo o que pudermos para evitar que isto aconteça”.
Em Novembro do ano passado, a Amphibian Surveillance Alliance (ASA) apoiou a organização do segundo encontro da última década a juntar conservacionistas locais e internacionais para a identificação de estratégias para prevenir ou mitigar ameaças aos anfíbios de Madagáscar: ACSAM2 “A Conservation Strategy for the Amphibians of Madagascar”. Este encontro, organizado em colaboração com o CIBIO-InBIO, com foco na realização de um plano de actuação para lidar com esta crise emergente incluiu:
- o desenvolvimento de uma resposta estratégica de emergência para os anfíbios de Madagáscar;.
- a identificação da(s) estirpe(s) de Bd e a caracterização da sua virulência;
- o estabelecimento de um protocolo nacional e autorização para recolher rãs mortas no campo;
- a manutenção de populações de espécies prioritárias em cativeiro, que possam, a longo prazo, contribuir para reconstituir as naturais.
“A perda de anfíbios em Madagáscar é não só importante para os herpetólogos e investigadores que trabalham com rãs, como pode também implicar uma perda extraordinária para o mundo inteiro”, explica Franco Andreone, co-coordenador do Grupo de Especialistas em Anfíbios-Madagáscar (ASG - Amphibian Specialist Group-Madagascar), da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN - International Union for Conservation of Nature), e responsável pela organização do ACSAM2. “Todos temos um papel a desempenhar se queremos garantir o sucesso deste gigantesco projecto de conservação.”
Angelica Crottini, investigadora do CIBIO-InBIO, Portugal, responsável pela co-organização da workshop "Disease Screening in Amphibians", que decorreu em 2010 no Parque Ivoloina (Tamatave, Madagáscar) e levou à criação do Programa Nacional de Monitorização de quitrídio em Madagáscar, e co-autora deste novo artigo, acrescenta que “neste últimos anos, conseguimos reunir um grupo dinâmico de especialistas que se tem vindo a dedicar a combater esta infecção em Madagáscar. Para além de termos convencido a comunidade de conservacionistas a investir num plano de medidas profilácticas, contámos com o apoio de inúmeras organizações e entidades nacionais. Neste momento, Madagáscar dispõe de uma CEC, que, trabalhando em próxima colaboração com a ASG, coordena todas as acções de conservação e mitigação a nível nacional contra esta doença. O apoio às acções promovidas pela CEC e ASG parece ser a melhor estratégia de que dispomos para dar resposta a este desafio e preservar a biodiversidade de anfíbios em Madagáscar”.
A ASA irá continuar a coordenar o financiamento de estudos de monitorização de Bd em Madagáscar, e a apoiar o desenvolvimento de ferramentas de mitigação da doença. A ASA apela a todos os que nutrem um interesse pela conservação para que ajudem nestes esforços, visitando amphibians.org.
* Quitridiomicose é a doença causada pelos fungos do grupo Chytridiomycota a que o Batrachochytrium dendrobatidis pertence.
Artigo original:
Bletz MC, Rosa GM, Andreone F, Courtois EA, Schmeller DS, Rabibisoa NHC, Rabemananjara FCE, Raharivololoniaina L, Vences M, Weldon C, Edmonds D, Raxworthy CJ, Harris RN, Fisher MC, Crottini A (2015) “Widespread presence of the pathogenic fungus Batrachochytrium dendrobatidis in wild amphibian communities in Madagascar” Scientific Reports DOI: 10.1038/srep08633.
Sobre os Autores:
Molly C. Bletz – James Madison University, Harrisonburg, EUA e Technische Universitaet Braunschweig, Zoological Institute, Braunschweig, Alemanha
Gonçalo M. Rosa – Durrell Institute of Conservation and Ecology, School of Anthropology and Conservation, University of Kent, Kent, Reino Unido; Institute of Zoology, Zoological Society of London, Londres, Reino Unido e Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
Franco Andreone – Museo Regionale di Scienze Naturali, Torino, Itália e IUCN SSC Amphibian Specialist Group-Madagascar, Antananarivo, Madagáscar
Elodie A. Courtois – CNRS-Guyane, Guiana Francesa e Sation d’écologie expérimentale du CNRS à Moulis, Moulis, França
Dirk S. Schmeller – UFZ – Helmholtz Centre for Environmental Research, Leipzig, Alemanha e EcoLab (Laboratoire Ecologie Fonctionnelle et Environnement), CNRS/Université de Toulouse, Toulouse, França
Nirhy H. C. Rabibisoa – IUCN SSC Amphibian Specialist Group-Madagascar, Madagáscar e Faculté des Sciences, University of Mahajanga, Ambondrona, Madagáscar
Falitiana C. E. Rabemananjara – University of Antananarivo, Antananarivo, Madagáscar
Liliane Raharivololoniaina – University of Antananarivo, Antananarivo, Madagáscar
Miguel Vences – Technische Universitaet Braunschweig, Zoological Institute, Braunschweig, Alemanha
Ché Weldon – North-West University, Potchefstroom, África do Sul
Devin Edmonds – Association Mitsinjo, Andasibe, Madagáscar
Christopher J. Raxworthy – American Museum of Natural History, Nova Iorque, EUA
Reid N. Harris – James Madison University, Harrisonburg, EUA
Matthew C. Fisher – Imperial College London, Londres, Reino Unido
Angelica Crottini – CIBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, InBIO Laboratório Associado, Vila do Conde, Portugal
Imagens:
Figura 1. Gephyromantis corvus. Créditos da imagem: Angelica Crottini.
Figura 2. Mantella baroni. Créditos da imagem: Angelica Crottini.
Figura 3. Mantidactylus pauliani. Créditos da imagem: Angelica Crottini.
Figura 4. Scaphiophryne gottlebei. Créditos da imagem: Angelica Crottini.
Figura 5. Angelica Crottini, Gonçalo M. Rosa (Investigador de Universidade de Lisboa) e Franco Andreone (Curador do Museu de Torino, Itália) recolhem amostras para detecção de Bd num desfiladeiro do Maciço de Isalo (Madagáscar). Créditos da imagem: Franco Andreone