DESCOBERTA DE UM GENE ESSENCIAL PARA A COLORAÇÃO DAS AVES
Num artigo publicado online pela prestigiada revista científica PNAS – Proceedings of the National Academy of Sciences – uma equipa de investigação internacional que inclui Miguel Carneiro, Ricardo Jorge Lopes, Pedro Miguel Araújo, Malgorzata Gazda, Sandra Afonso e Paulo Gama Mota, investigadores do CIBIO-InBIO, Universidade do Porto, demonstra que uma proteína responsável pela assimilação celular de lípidos é essencial para que muitas espécies de aves apresentem uma plumagem amarela, laranja ou vermelha.
Esta descoberta, que surge no contexto da colaboração dos investigadores portugueses com duas equipas internacionais lideradas por Geoffrey Hill, da Auburn University, nos EUA, e Joseph Corbo, da Washington University School of Medicine, também nos EUA, foi possível graças à utilização das mais recentes ferramentas de análise genética e de genomas.
Qual foi principal descoberta proporcionada por este estudo?
Para ter penas amarelas, laranja ou vermelhas, muitas espécies de aves necessitam de pigmentos (carotenoides) que se encontram naturalmente na sua alimentação e que são absorvidos no sistema digestivo. Neste estudo, a equipa de investigadores conseguiu identificar a proteína SCARB1, um receptor nas membranas celulares, que promove a assimilação destes carotenoides pelas células e é estritamente necessária para a expressão de coloração em aves.
Mas qual é a importância desta descoberta?
Em muitas espécies animais a seleção sexual está associada com a produção de cores intensas. Estas cores comunicam informação sobre a qualidade individual e podem influenciar positivamente o seu sucesso reprodutor. Assim, “a identificação da proteína que é responsável pela incorporação dos caratenóides nas células das aves é uma descoberta muito importante para se compreender a função e evolução das cores baseadas em carotenoides”, explica Miguel Carneiro, o investigador que coordenou este estudo. Até ao momento só mais dois genes foram implicados na coloração por caratenoides em vertebrados. Adicionalmente, a incorporação de carotenoides nas células é muito importante não só por causa do seu papel na coloração das penas e outros tecidos, mas também pela sua relevância em outros mecanismos, especialmente no metabolismo de lípidos e colesterol, na regulação do estado oxidativo e sistema imunitário e a formação dos ovos.
E como chegaram a estes resultados?
Segundo Ricardo Jorge Lopes, “só foi possível encontrar esta proteína, necessária para a incorporação de caratenoides nas células, porque existem várias raças de canário doméstico com diferentes cores (amarelos e vermelhos) e uma raça (Branco Recessivo) que possui uma plumagem completamente branca. Devido aos recentes desenvolvimentos tecnológicos na área da genómica, foi possível comparar o genoma de vários indivíduos destas raças e encontrar os genes com as diferenças mais significativas”. A existência de três equipas de investigação, independentemente especializadas nos mecanismos genéticos da coloração nas penas, foi fundamental para o sucesso deste estudo. Este enquadramento promoveu uma colaboração muito eficiente que permitiu identificar este gene muito rapidamente.
Mas como conseguiram os investigadores descobrir qual a diferença que existia neste gene?
Ricardo explica que “o gene SCARB1 codifica uma proteína que promove a incorporação de lípidos e dos carotenoides nas células. Na raça de canários “Branco Recessivo”, os carotenoides estão ausentes ou em concentrações muito baixas”. Com recurso à sequenciação de genomas completos, identificamos uma mutação nestes canários que impede a transcrição de parte do código genético, resultando numa estrutura da proteína SCARB1 com menos aminoácidos. Foi possível verificar com estudos funcionais que esta configuração da proteína não permite a incorporação celular dos carotenoides nos canários “Branco Recessivos”.
Qual a mensagem que podemos levar deste estudo?
Os resultados obtidos neste estudo revelam que com as mais recentes tecnologias de análise de genomas temos finalmente em mãos as ferramentas que nos permitem deslindar as bases genéticas da biodiversidade do mundo natural. Até muito recentemente, estudos desta natureza só se podiam efectuar num número muito restrito de espécies modelo, como ratinhos, mosca da fruta, entre outros. “A nossa equipa já tinha conseguido descobrir os genes responsáveis pela produção da cor vermelha nas aves e com este estudo conseguiu mais uma descoberta relevante para perceber os mecanismos da coloração nas aves”, salienta Miguel.
E quais serão os próximos passos para esta investigação?
A longo prazo, avança Miguel “… continuaremos a utilizar as dezenas de mutações que existem em canário domésticos – seleccionadas por criadores de todo o mundo durante vários séculos – como um excelente modelo para descobrir a base genética de muitas outras características fascinantes, que também existem em muitas espécies de aves selvagens!”
Artigo Original:
Toomey MB, Lopes RJ, Araújo PM, Johnson D, Gazda MA, Afonso S, Mota PG, Koch RE, Hill GE, Corbo JC, Carneiro M (2017) High-density lipoprotein receptor SCARB1 is required for carotenoid coloration in birds. Proceedings of the National Academy of Sciences. DOI: 10.1073/pnas.1700751114
Imagem:
Legenda: Canário Branco e Amarelo | Créditos de Imagem: Ricardo Lopes