INTERDIÇÃO À IMPORTAÇÃO NA UNIÃO EUROPEIA REDUZ O COMÉRCIO MUNDIAL DE AVES SILVESTRES EM 90%
Num artigo publicado hoje pela prestigiada revista científica Science Advances, uma equipa internacional que inclui os investigadores do CIBIO-InBIO Luís Reino, Rui Figueira, Pedro Beja, Miguel Araújo e César Capinha, demonstra que após a interdição o número de aves comercializadas anualmente decresceu de 1.3 milhões para 130.000.
O impacto do comércio de aves silvestres na biodiversidade
As aves silvestres estão entre os animais mais comercializados em todo o mundo, tendo a Europa vindo a destacar-se como um dos principais importadores deste grupo de animais. Antes da interdição do comércio na UE em 2005, a Bélgica, Itália, Holanda, Portugal e Espanha eram responsáveis pela comercialização de dois terços de todas as aves vendidas no mercado global. As aves eram importadas principalmente da África ocidental, sendo 70% provenientes da Guiné, Mali e Senegal. Durante este período, as exportações de aves silvestres concentravam-se em dois grupos: os passeriformes, que incluem aves de estimação muito populares, como o canário-de-moçambique ou o bico-de-lacre-comum, representando cerca de 80% do total de aves exportadas; e os psitacídeos, representando aproximadamente 18%.
Após a interdição ao comércio sancionada pela UE, o cenário inverteu-se. Atualmente, a percentagem de passeriformes comercializadas a nível mundial corresponde a menos de 20%, enquanto, pelo contrário, os psitacídeos passaram a representar quase 80% do total de aves silvestres comercializadas. Os psitacídeos são não só o grupo de aves mais ameaçado, mas também aquele com maior probabilidade de se estabelecer em países onde não ocorre naturalmente.
Segundo Luís Reino, investigador do CIBIO-InBIO e primeiro autor do artigo agora publicado, o comércio de aves tem um impacto significativo sobre a biodiversidade pois pode provocar a depleção das populações selvagens. “Este é o caso do papagaio-cinzento, uma espécie que se encontra ameaçada devido ao volume anual de animais capturados para o comércio internacional. O comércio também pode levar à introdução de espécies exóticas e estas, por sua vez, podem provocar impactos negativos nas populações nativas, por exemplo através da introdução de doenças.”
O estudo desenvolvido por Luís Reino e seus colegas demonstra ainda que o comércio internacional constitui a principal causa da invasão por espécies exóticas. “As aves invasoras podem prejudicar os ecossistemas, destruir culturas agrícolas e competir com espécies nativas. A interdição à importação imposta pela UE, e a consequente redução do número de aves silvestres comercializadas, diminuem de forma significativa o risco de invasões biológicas em grande parte do planeta”, ressalta Diederik Strubbe, do Center for Macroecology, Evolution and Climate, University of Copenhagen, último autor do artigo.
As rotas de comércio afastaram-se da Europa ocidental
O papel desempenhado pela África ocidental como principal exportador de aves silvestres foi, entretanto, assumido pela América latina, sendo agora este o continente responsável por mais de 50% das exportações de aves em todo o mundo. Novos e importantes compradores surgiram no mercado, incluindo países como México e Estados Unidos da América, cujas importações anuais aumentaram de cerca de 23.000 para 82.000 aves.
“Preocupa-nos termos verificado uma mudança no comércio de aves silvestres direcionado a áreas de grande biodiversidade. Por exemplo, diversas nações do sudeste Asiático têm vindo a destacar-se como importadores relevantes. Estas regiões estão agora expostas a um maior risco de invasões por aves introduzidas por esta via comercial”, afirma Luís Reino. Mais explica que “estes resultados demonstram claramente que se quisermos reduzir o número de aves comercializadas e diminuir o risco de invasões por aves exóticas, a interdição mundial ao comércio de espécies silvestres terá de ser equacionada como a medida eficiente a adotar. Apesar das interdições a nível regional contribuírem para uma redução do risco de invasão, a única forma eficiente de assegurar este decréscimo, evitando a redefinição de rotas comerciais, passa por uma interdição global”.
Registos históricos ao serviço da proteção da biodiversidade
Para chegar aos resultados descritos, a equipa de investigação envolvida neste estudo analizou meticulosamente a rede global de espécies silvestres comercializada entre 1995 e 2011, escrutinando dados relativos a espécies silvestres detetadas em circuitos comerciais disponibilizados pela CITES (Convenção sobre o comércio internacional de espécies silvestres ameaçadas de fauna e flora).
Artigo original:
Reino L, Figueira R, Beja P, Araújo MB, Capinha C, Strubbe D (2017) Networks of global bird invasion altered by regional trade ban. Science Advances, 3(11): e1700783. DOI: 10.1126/sciadv.1700783
Imagens:
Figura 1. O periquito-monge (Myiopsitta monachus) | Créditos de imagem: Jose Luis Postigo Sánchez.
Figura 2. Papagaio-cinzento (Psittacus erithacus) em gaiola | Créditos de imagem: Luís Reino.