Pode a dopamina promover uma maior capacidade de aprendizagem social em peixes?
Num estudo inovador publicado recentemente pela revista internacional Proceedings of the Royal Society B, uma equipa de investigadores do CIBIO-Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos/InBIO Laboratório Associado, descreve os efeitos da dopamina na aprendizagem dos peixes limpadores, conhecidos pelas complexas interacções sociais com outras espécies e pela capacidade de adaptação a diferentes cenários.
Os resultados deste trabalho abrem novas perspectivas para o conhecimento dos mecanismos neuronais dos processos de aprendizagem em peixes, que podem conduzir a outros estudos noutras espécies igualmente sociais.
A dopamina e a sua infuência no comportamento
A dopamina é um neurotransmissor que regula o comportamento animal a vários níveis, incluindo a sua capacidade de procurar alimento e de tomar decisões Contudo, o sistema dopaminergico e a sua influência exacta no comportamento dos animais, em especial em processos cooperativos (i.e. quando estes interagem entre si de uma forma coordenada), estão ainda profundamente inexplorados, especialmente no que diz respeito a modelos que não os mamíferos.
Neste estudo inovador os investigadores João Messias, Teresa Santos, Maria Pinto e Marta Soares decidiram investigar se, tal como acontece nos mamíferos, também nos peixes os processos de aprendizagem são influenciados por variações do sistema dopaminergico, e de que forma estão esses processos de tomada de decisão ligados ao contexto ecológico das espécies.
O inteligente, sociável e prestável bodião
Para esse efeito, a equipa recorreu a uma espécie de peixe limpador conhecido por viver numa complexa rede de interacções sociais dentro da própria espécie e com outras espécies: o bodião limpador do Indo-Pacifico, Labroides dimidiatus.
Esta espécie é também famosa devido à sua elevada capacidade de aprendizagem, que na prática se traduz a sua capacidade cognitiva e cooperativa. Um bom exemplo da exigência ao nível da capacidade de decisão destes animais ocorre quando estes são visitados simultaneamente por vários clientes, que recorrem aos seus serviços de limpeza com vista a verem-se livres de parasitas. Neste caso, os limpadores têm que decidir qual dos clientes devem atender primeiro, correndo o risco de que os clientes que ficam à espera acabem por abandonar o seu território sem serem atendido (por não quererem ou não poderem esperar).
O processo de decisão do limpador decorre, então, da seguinte forma: o primeiro cliente (espécie) a ser atentido é aquele que está menos disposto a esperar porque tem maior capacidade de escolha (i.e. pode facilmente visitar outro limpador), ficando em lista de espera aquele que não tem escolha (residente na área - só pode visitar um limpador). Sabe-se que este processo de tomada de decisão, que assenta na escolha de clientes preferenciais, resulta de aprendizagem baseada em tentativa-erro e posterior memorização (aprendizagem por associação). O limpador é então capaz de reconhecer as especificidades de cada tipo de cliente (espécie) determinadas pelo seu padrão visual.
Explorar a influência da dopamina na capacidade de aprendizagem do bodião
Atendendo a estas permissas, em condições laboratoriais controladas no Oceanário de Lisboa, os investigadores estimularam estes peixes limpadores a aprender 2 tarefas experimentais que diferiam em termos ecológicos:
i) uma simulando uma situação real (aprendizagem visual); e
ii) uma situação não real (aprendizagem espacial).
Tal como explica Marta Soares, ”sabendo que estes animais têm uma grande capacidade de aprendizagem, a questão aqui passava por perceber em que medida estaria essa capacidade dependente da sua moldura fisiológica, em particular no que diz respeito ao sistema dopaminergico.”
De uma forma global, a equipa conseguiu demonstrar que variações na transmissão de dopamina levam a alterações na capacidade de aprendizagem destes peixes. Nas palavras de Marta, ”este estudo demonstra que existe um envolvimento directo do sistema dopaminergico na capacidade de aprendizagem destes animais: indivíduos tratados com agonistas dopaminérgicos (receptor D1) resolveram os problemas apresentados mais rapidamente, fossem eles mais ou menos representativos em termos ecológicos.”
Estes resultados são os primeiros a serem publicados na sequência de uma série de experiências que têm vindo a ser conduzidas por esta equipa sob orientação da investigadora, quer no campo – Lizard Island (Austrália) e em Moorea, quer em laboratório – nas instalações do CIBIO-InBIO. O artigo agora publicado pela Proceedings of the Royal Society B representa um importante contributo para o avanço da nossa capacidade de compreensão dos mecanismos fisiológicos que estão subjacenters e que promovem a expressão de comportamentos cooperativos.
Artigo original
Messias J, Santos T, Pinto M, Soares M (2015) Stimulation of dopamine D1 receptor improves learning capacity in cooperating cleaner fish Proceedings of the Royal Society B. DOI: 10.1098/rspb.2015.2272.
Sobre os Autores
João P. M. Messias, Teresa P. Santos, Maria Pinto and Marta C. Soares
CIBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, InBIO Laboratório Associado, Vairão, Portugal
Imagens
Figura 1. O bodião, Labroides dimidiatus. Créditos: Marta Soares
Figura 2. O bodião em acção. Créditos: João Messias
Figura 3. O esquema experimental do estudo. In Messias et al., 2015